terça-feira, 19 de abril de 2016

"Uma boa pessoa não pode ser racista"

Ontem cheguei a casa, tirei as sapatilhas e liguei a televisão. Segui para a minha rotina habitual, preparar jantar, banho...e foi no meio da correria que ouvi a frase "Uma boa pessoa não pode ser racista". Parei, sentei-me e comecei a ver o que restava da reportagem da SIC. O tema era o racismo. Quem me conhece sabe o porquê do meu interesse sobre o tema, para quem não me conhece: sou filha de pai brasileiro, tom de pele castanho escuro, tenho o cabelo encaracolado e com muito volume, cor de pele castanha, lábios carnudos, olhos pequenos e o nariz de "batata". A partir daqui não será muito difícil perceber a curiosidade sobre a reportagem. Ouvi as histórias que contavam, prestei atenção ao "teatro do pai racista", ouvi com atenção os comentários e os relatos dos mais novos. Identifiquei-me com alguns aspectos, fiquei chocada com outros, e emocionei-me um par de vezes.
Até ao dia de hoje nunca tive que "levar" com o preconceito da família de um namorado mas posso dizer que estou mais ou menos preparada para se isso acontecer um dia. Aprendi com os meus pais. A minha mãe tinha 21 anos quando conheceu o meu pai. O meu pai era negro e tinha vindo para a "terriola" jogar futebol (ou terminar a sua carreira). O cenário é fácil de prever, nomes feios e acusações para o meu pai, "encomenda" de serviços recorrendo a violência para o afastar da minha mãe, avô expulsa a minha mãe de casa, mãe e pai têm uma filha, família da mãe aceita a neta e anos mais tarde o pai. Os meus pais estiveram casados 20 anos, separaram-se há 7 o que quer dizer que passados 28 anos pouco ou nada mudou.
Até aos meus 14 anos passei por algumas situações de preconceito, numa dessas vezes tive 2 rapazes mais velhos atrás de mim a atirar-me com pedras e a chamar-me "preta". Alguns dos que lerem este texto irão dizer "preta" não é uma palavra feia, que é só a constatação da realidade. A esses respondo que "preta" é uma palavra feia consoante a intenção com que se diz. Naquele momento, "preta" foi dito com preconceito, com desprezo e pior de tudo com maldade. Se fosse hoje teria apresentado queixa, teria levado isso a tribunal e teria lutado para que essas pessoas fossem punidas. Naquela altura tive vergonha e demorei anos para contar aos meus pais.
Hoje não sinto tanto o preconceito mas não sou ingénua ao ponto de pensar que ele não existe. Por isso, fiquei um pouco incomodada quando na reportagem um indivíduo responde que "é normal no início o pai sentir alguma estranheza/desconforto por a filha namorar para um negro". Oi????É normal???Estranheza porquê? O rapaz é uma coisa estranha só porque tem outro tom de pele? Quer dizer então se o meu pai tiver "uma estranheza" por eu namorar um rapaz de cor clara também é normal?Ou aí já é racismo? Confundem-me estas pessoas que se assumem "não racistas" mas que acham "normais" atitudes discriminatórias. A verdade é que o racismo agora está mais camuflado, a maioria das pessoas diz que não é e bla bla bla mas depois quando o assunto é terem um neto, ou serem atendidos num estabelecimento ou até mesmo partilhar o banco do autocarro com uma pessoa negra já é um grande problema e um grande drama. A reportagem da SIC só veio provar isso mesmo, quantas pessoas se meteram para defender a filha que namorava para o "preto"? Uma? Duas? Não há prova mais eficaz do que essa, somos um país racista, não somos o mais mas somos um dos!

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